Direita radical em Portugal quer travar orações muçulmanas em praças públicas — e o país volta a discutir a laicidade

Ana Fernandes
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Grande reunião de pessoas participando de oração ao ar livre em um espaço urbano, várias pessoas estão ajoelhadas, usando roupas tradicionais e acessórios religiosos, demonstrando fé e união.
Praça do Martim Moniz e na Alameda Lisboa 

Direita radical em Portugal quer proibir orações muçulmanas em praças públicas: entenda o debate e as suas implicações

Lisboa — O recente movimento de partidos da direita radical em Portugal, que estudam propor uma lei para proibir a oração muçulmana em espaços públicos, está a gerar um intenso debate nacional sobre liberdade religiosa, direitos fundamentais e a convivência multicultural. 

O tema ganha relevância à medida que as comunidades islâmicas têm realizado orações em locais como o Martim Moniz e a Alameda, em Lisboa, especialmente em datas importantes como o fim do Ramadão e a Festa do Sacrifício.

O contexto político: o crescimento da direita radical e o discurso sobre identidade nacional

Nos últimos anos, Portugal tem assistido a um crescimento notável dos partidos posicionados à direita radical, com discursos centrados na defesa da identidade nacional, segurança e controlo da imigração. Esse avanço político tem refletido tendências vistas em outros países europeus, onde temas como religião, costumes e políticas migratórias se tornaram bandeiras eleitorais.

Alguns desses partidos têm vindo a defender a necessidade de reforçar os “valores tradicionais portugueses” e impor limites a práticas religiosas que consideram incompatíveis com a cultura nacional. 

Neste contexto, surge a discussão sobre a possível proibição das orações muçulmanas em espaços públicos — algo que, até agora, nunca foi objeto de legislação específica em Portugal.

Liberdade religiosa em Portugal: o que diz a Constituição

A Constituição da República Portuguesa é clara no seu artigo 41.º: “A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável.” Além disso, o Estado é laico e não pode discriminar nenhuma confissão religiosa. 

Essa garantia constitucional assegura que todos os cidadãos têm o direito de manifestar a sua fé, individual ou coletivamente, em espaços públicos ou privados, desde que respeitem a ordem pública e os direitos dos outros.

Especialistas em direito constitucional e direitos humanos alertam que uma eventual lei que proíba orações muçulmanas em praças públicas poderia ser considerada inconstitucional, por violar a liberdade religiosa e o princípio da igualdade. 

A jurista Maria João Cunha, professora na Universidade de Lisboa, sublinha que “qualquer tentativa de restringir práticas religiosas com base numa fé específica configuraria discriminação e afrontaria os valores fundamentais do Estado democrático”.

O papel das comunidades muçulmanas em Portugal

Em Portugal vivem atualmente cerca de 65 mil muçulmanos, concentrados sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa, Setúbal e Porto. A comunidade islâmica portuguesa é conhecida pela sua integração pacífica e pelo envolvimento em causas sociais, culturais e educativas.

Durante o Eid al-Fitr (fim do Ramadão) e o Eid al-Adha (Festa do Sacrifício), é comum que milhares de fiéis se reúnam para orações coletivas em espaços públicos, como a Praça do Martim Moniz e a Alameda Dom Afonso Henriques. Estas celebrações são organizadas por centros islâmicos locais, com autorização das autoridades, e têm sido marcadas por ambiente de respeito e harmonia.

Por que o tema voltou à agenda pública

Fontes políticas revelam que líderes de partidos da direita radical têm vindo a debater a possibilidade de propor uma lei que limite manifestações religiosas em espaços públicos, argumentando que essas práticas “ferem o princípio da neutralidade do espaço público”. 

No entanto, críticos consideram que a proposta tem motivações ideológicas e populistas, visando conquistar eleitores mais conservadores.

Para o sociólogo Luís Reis, especialista em política europeia, “este tipo de discurso tem sido usado para criar divisões simbólicas entre ‘nós’ e ‘eles’, explorando o medo da diferença”. Segundo ele, “Portugal sempre foi um país de convivência pacífica entre culturas, e transformar a prática religiosa em questão política seria um retrocesso civilizacional”.

Reações da comunidade islâmica e da sociedade civil

A Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL) reagiu com preocupação à notícia, afirmando que a proposta “viola princípios básicos de liberdade e respeito”. 

Em comunicado, o imã David Munir sublinhou que “as orações em espaço público são realizadas com organização, respeito pelas normas e diálogo com as autoridades”, acrescentando que “proibir tais momentos seria um sinal de intolerância que não reflete os valores portugueses”.

Organizações de direitos humanos e associações civis também se manifestaram. 

A Amnistia Internacional Portugal e o Observatório da Liberdade Religiosa alertaram que qualquer tentativa de restringir práticas religiosas específicas “abre precedentes perigosos para outras minorias”.

Debate público: segurança, integração e laicidade

Entre os defensores da medida, o principal argumento é o de que as praças públicas devem ser neutras e destinadas a todos, sem manifestações religiosas de qualquer tipo. 

Já os opositores afirmam que a verdadeira neutralidade do Estado consiste em permitir a expressão livre de todas as crenças, sem privilégio nem proibição.

O tema levanta também a questão da integração e do respeito à diversidade cultural. Portugal tem sido reconhecido internacionalmente pela sua abordagem inclusiva em relação às minorias religiosas, sendo considerado um dos países europeus com menor índice de islamofobia. 

Proibir práticas pacíficas poderia, segundo especialistas, pôr em risco esse estatuto.

O impacto internacional e comparações com outros países

Multidões de pessoas praticando oração ao ar livre, de cabeça abaixada, durante a manhã, em um espaço urbano com edifícios ao fundo.
Imagem Praça do Martim Moniz e na Alameda

Na Europa, casos semelhantes têm gerado intensa controvérsia. 

A França, por exemplo, proíbe o uso de símbolos religiosos ostensivos em escolas e espaços públicos, em nome da laicidade do Estado. 

No entanto, tal modelo é frequentemente criticado por restringir a liberdade individual. 

Em contrapartida, países como o Reino Unido e a Alemanha têm adotado políticas de coexistência, permitindo orações e celebrações religiosas em espaços públicos sob regulamentação local.

Portugal, até ao momento, tem seguido um caminho moderado e de diálogo inter-religioso, promovendo o respeito mútuo e a cooperação entre comunidades. Uma mudança legislativa neste campo representaria uma rutura significativa com essa tradição.

Opiniões de especialistas: possíveis consequências legais e sociais

Juristas e analistas alertam que uma lei de proibição poderia gerar disputas judiciais e tensões sociais. 

Além de ser contestada constitucionalmente, tal medida poderia afetar a imagem internacional de Portugal como país de tolerância e liberdade. 

Também poderia repercutir em setores económicos e turísticos, uma vez que o país se apresenta como destino seguro e acolhedor.

O professor António Barreto, sociólogo, observa que “o uso político da religião é perigoso, sobretudo quando visa uma comunidade minoritária. 

O resultado é quase sempre o aumento do extremismo e da desconfiança”.

O que pensa a opinião pública

Pesquisas recentes indicam que a maioria dos portugueses apoia a liberdade religiosa e a convivência entre culturas, embora uma minoria manifeste desconforto com práticas visíveis do Islão em espaços públicos. 

Esta divisão de opiniões reflete a tensão entre valores de liberdade e percepções de identidade cultural.

Os meios de comunicação social têm desempenhado um papel crucial neste debate, ao amplificar as vozes de todos os lados e evidenciar a necessidade de diálogo e informação rigorosa.

Conclusão 

Entre a liberdade e a intolerância

O debate sobre a proibição das orações muçulmanas em praças públicas é, acima de tudo, um teste à maturidade democrática de Portugal. 

A forma como o país lidará com esta questão dirá muito sobre o seu compromisso com os valores da liberdade, da igualdade e do respeito pelas diferenças.

Mais do que uma discussão política, trata-se de uma reflexão sobre o futuro da convivência entre culturas num Portugal cada vez mais diverso e global.

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Perguntas Frequentes (FAQ)

Os muçulmanos podem orar em espaços públicos em Portugal?

Sim. A Constituição Portuguesa garante liberdade religiosa e permite manifestações de fé em espaços públicos, desde que não perturbem a ordem pública.

É verdade que há orações em praças como o Martim Moniz e a Alameda?

Sim. Essas celebrações ocorrem em datas religiosas importantes, como o fim do Ramadão e a Festa do Sacrifício, com autorização e coordenação com as autoridades locais.

Uma lei que proíba essas práticas seria constitucional?

Provavelmente não. Especialistas em direito afirmam que tal lei violaria a liberdade religiosa prevista na Constituição Portuguesa.

Por que o tema ganhou tanta atenção?

O crescimento de partidos de direita radical e o uso político da religião têm reacendido o debate sobre identidade, laicidade e integração em Portugal.

Portugal é um país laico?

Sim. O Estado português é laico e neutro em matéria religiosa, mas essa neutralidade significa garantir o direito de todos — e não proibir manifestações religiosas.


Autor: portal mundo time| Data: 20 de Outubro de 2025

Este artigo é informativo, independente e baseado em fontes oficiais, académicas e jornalísticas. Foi produzido com rigor, sem viés ideológico, e visa promover o debate público informado.

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